quarta-feira, 5 de julho de 2017

SEGUINDO EM FRENTE

Há um ano atrás eu estava vivendo uma semana complicada e aguardada com muita ansiedade e expectativa, havia me submetido a uma biópsia dolorida que poderia mudar a minha vida, o resultado do exame estaria disponível numa quinta feira, dia 07/07/2016 e o desconforto que sentia em consequência do exame atrapalhava minha rotina, mas minha vida tinha que seguir em frente. Vinha de um final de semana de plantão e tive uma semana muito intensa no hospital, foi necessário muito esforço para reunir todo o meu conhecimento e assim executar as tarefas da melhor forma, porque embora estivesse fisicamente presente, minha cabeça vagava em direção a um mundo desconhecido e sombrio, só que minha vida tinha que seguir em frente. Eu estava emocionalmente exausta, psicologicamente debilitada e minha capacidade de pensar positivamente encontrava-se inibida, precisava conviver e me relacionar com as pessoas, precisava me portar diante de superiores, colegas de trabalho e dos acompanhantes dos pacientes no entanto só conseguia apresentar uma carcaça, porque minha vida tinha que seguir em frente.

Apesar dessa realidade anteceder o fatídico diagnóstico, ela representa muito como era a minha vida de uma maneira geral antes do câncer, desde os sentimentos e emoções exacerbados e reações sem controle até o automatismo com que eu vivia os dias sempre aguardando os próximos, seja o próximo final de semana, a próxima folga, o quinto dia útil ou o final do mês. Sinceramente não acredito que estava insatisfeita e nem de longe infeliz, mas com toda a certeza eu sei que tinha ligado o "piloto automático" da minha vida há algum tempo e por mais que seja difícil assumir, vejo que provavelmente estava desperdiçando a minha existência com coisas pequenas e irrelevantes, desperdiçando a vida do tempo presente por aguardar o tempo futuro para viver.

A grande questão é que eu não pensava sobre a possibilidade do meu tempo ser curto, mesmo vivenciando constantemente os óbitos de pacientes no hospital, mesmo lidando com bebês e crianças que deixavam esse mundo tão cedo, ainda assim eu pensava que se eu fizesse tudo "direito", tanto com a saúde do corpo e da mente, como ética e moralmente, era certo que meu tempo seria longo... mal sabia. Não estou dizendo que eu acho que vou morrer porque tive câncer, é que precisei ter câncer para achar que poderia morrer, e também não acho que posso morrer só de câncer, hoje tenho a certeza que a morte não precisa de desculpas, justificativas e explicações, não é necessário ter idade, doença ou falta de cuidado, quando chega o momento de morrer, simplesmente adeus, acontece sem consentimento e sem aviso. Precisei compreender a finitude da nossa existência para enxergar com clareza como eu estava deixando a vida passar diante dos meus olhos e embora essa descoberta tenha sido fundamental para o meu processo de autoconhecimento, foi muito difícil encarar que eu era responsável por tudo aquilo que eu deixei de fazer.

Resgatando tudo o que vivi até 07/07/2016 posso concluir que o saldo no dia de hoje é positivo, pois diante de tantos conflitos internos e externos que tive nesse último ano eu consegui VIVER cada dia, tanto o bom quanto o ruim, provei de todas as sensações que me foram impostas, sofri em alguns momentos e me fortifiquei em muitos outros, porque enfim são essas coisas que tem que acontecer realmente, afinal minha vida seguiu em frente.

Um comentário:

  1. Meu nome é Leticia, ainda estou em tratamento. Vc conseguiu resumir perfeitamente a transformação que a doença faz.

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